W.W. JACOBS
I
Lá fora, a noite era fria e úmida, mas na pequena sala de estar de Laburnam Villa, as gelosias estavam cerradas e o fogo brilhava alegremente. Pai e filho estavam jogando xadrez, e o primeiro, que possuía ideias sobre jogo, envolvendo uma mudança radical de tática, punha o rei em tão desesperados e desnecessários perigos que provocou comentários até da velha senhora de cabelos brancos, que estava fazendo, placidamente, crochê perto do fogo.
– Escuta esse vento! – disse o senhor White, que, tendo notado um erro fatal quando já era tarde demais, desejava evitar, com habilidade, que o filho o notasse também.
– Estou escutando – disse o outro, observando atentamente o tabuleiro, ao mesmo tempo que estendia a mão. – Xeque!
– Estava achando muito difícil que ele viesse esta noite – disse o pai, com a mão erguida sobre o tabuleiro.
– Mate! – prosseguiu o filho.
– Isso é o que tem de pior, viver assim tão afastado! – vociferou o senhor White, com súbita e inesperada violência -; de todos os lugares idiotas, lamacentos e fora de mão para se morar, este é o pior. O caminho é um atoleiro e a estrada, um rio. Não sei o que essa gente pensa. Acho que, porque somente duas casas da estrada estão alugadas, entendem que não tem importância.
– Não te importes, querido – disse-lhe a esposa, conciliatoriamente –; talvez ganhes a próxima partida.
O senhor White ergueu bruscamente a vista, mesmo em tempo de interceptar um olhar de compreensão, trocado entre mãe e filho. As palavras morreram-lhe nos lábios, e escondeu um sorriso contrafeito, na barba rala e grisalha.
– Aí está ele! – exclamou Herbert White, ao ouvir o portão bater com estrondo e pesados passos, que vinham em direção à porta.
O velho levantou-se com solicitude hospitaleira, e, enquanto abria a porta, puderam ouvi-lo lastimando-se do tempo, com o recém-chegado. Este também se lastimou, de maneira que a senhora White disse: "Chut! Chut!" e tossiu de leve, quando o marido entrou no aposento, seguido por um homem alto e corpulento, de olhos salientes e faces rubicundas.
– Sargento-major Morris – disse, apresentando-o.
O major trocou apertos de mão, e, tomando a cadeira oferecida junto ao fogo, observou, com satisfação, que o anfitrião trazia uísque e copos e punha uma pequena chaleira de cobre no fogo.
Ao terceiro copo, seus olhos ficaram mais brilhantes e começou a falar, enquanto o pequeno círculo da família olhava, com agudo interesse, aquele visitante de terras longínquas, que encostava os ombros robustos no espaldar da cadeira, falando de cenas estranhas e feitos denodados, de guerras e pestes e de povos exóticos.
– Vinte e um anos disto – disse o senhor White, acenando, com a cabeça, para a esposa e o filho. – Quando partiu, era um belo moço, no armazém. Agora, olhem para ele.
– Não parece ter-se dado muito mal – observou a senhora White delicadamente.
– Eu gostaria de ir à Índia, também – disse o velho cavalheiro –, só para ver como aquilo é, sabem?
– Foi melhor ficar por aqui mesmo – retrucou o major, abanando a cabeça. Pousou o copo vazio e, suspirando de leve, sacudiu-a outra vez.
– Gostaria de ver aqueles velhos templos, e faquires, e pelotiqueiros – insistiu o velho. – O que era que ia começar a contar-me no outro dia, a respeito de uma mão de macaco, ou coisa que o valha, Morris?
– Nada – respondeu o soldado, muito depressa. – Pelo menos, nada que valha a pena ouvir-se.
– Mão de macaco? – indagou a senhora White, com curiosidade.
– Bem, apenas o que se poderia chamar magia, talvez – respondeu o major, de maneira vaga.
Seus três ouvintes curvaram-se para a frente, interessados. O visitante, alheadamente, levou o copo vazio aos lábios e depois tornou a pousá-lo. O anfitrião encheu-lho de novo.
– À simples vista – disse o major, remexendo no bolso – é apenas uma pequena mão comum, seca e mumificada.
Tirou qualquer coisa do bolso e exibiu-a. A senhora White recuou, com uma careta, mas o filho, pegando no objeto, examinou-o com curiosidade.
– E que é que há de especial nela? – perguntou o senhor White, tomando-a das mãos do filho e pousando-a sobre a mesa, depois de examiná-la.
– Possui um encantamento, que lhe foi posto por um velho faquir – explicou o major –, um homem muito velho. Queria mostrar que o destino segue a vida dos homens e que aqueles que interferem com ele o fazem para seu próprio mal. Pôs-lhe um encantamento, para que três homens distintos pudessem satisfazer, cada um, três desejos.
Suas maneiras eram tão impressionantes que os ouvintes tinham a consciência de que seus risos alegres soavam um pouco falsos.
– Bem, e por que não formula três desejos, senhor? – perguntou Herbert White, inteligentemente.
O soldado olhou-o, da maneira que um homem de meia-idade olha para a mocidade presunçosa.
– Já formulei. . . – disse, devagar, e o seu rosto corado empalideceu.
– E obteve, realmente, que esses três desejos se realizassem? – perguntou o senhor White.
– Obtive – respondeu o major, e o copo tilintou de encontro aos seus dentes brancos.
– E alguém mais já desejou?
– O primeiro homem também satisfez seus três desejos, sim. . . – foi a resposta. – Não sei quais foram os dois primeiros, mas o terceiro foi a morte. Foi assim que obtive a mão.
Seu tom era tão grave que um silêncio caiu sobre o grupo.
– Se já obteve os seus três desejos, não lhe serve para mais nada; então, Morris – disse o velho, por fim -, para que a conserva?
O soldado abanou a cabeça.
– Capricho, suponho – disse, devagar. – Tive uma vaga ideia de vendê-la, mas não creio que o faça. Já causou infortúnios demais. Além disso, ninguém a compraria. Alguns acham que é uma história fantástica, e os que acreditam alguma coisa dela, querem experimentar primeiro e pagar-me depois.
– Se pudesse formular outros três desejos – perguntou o velho, fitando-o atentamente –, fa-lo-ia?
– Não sei – respondeu o outro -, não sei.
Pegou na mão, e, balançando-a entre o indicador e o polegar, jogou-a de súbito no fogo. White, com um pequeno grito, curvou-se e tirou-a.
– É melhor que a deixe queimar-se – sentenciou o soldado, solenemente.
– Se não a quer, Morris – pediu o velho –, dê-ma.
– Não farei isso – respondeu o amigo, com rabugice. – Atirei-a ao fogo. Se a quiser guardar, não me censure pelo que possa acontecer. Jogue-a no fogo de novo, como um homem de juízo.
O outro abanou a cabeça e examinou atentamente sua nova aquisição.
– Como se faz? – perguntou.
– Segura-se levantada, com a mão direita, e faz-se o pedido em voz alta – disse o major – mas previno-o... contra as consequências.
– Parece coisa das Mil e uma noites! – exclamou a senhora White, enquanto se levantava e começava a preparar tudo para a ceia. – Não achas que poderias desejar quatro mãos para mim?
O marido tirou o talismã do bolso e, então, os três desataram a rir, enquanto o major, com um ar de susto no rosto, o segurava pelo braço.
– Se quer formular um pedido – disse-lhe, severamente –, faça-o de maneira inteligente.
O senhor White deixou cair de novo o talismã no bolso, e, chegando as cadeiras, conduziu o amigo à mesa. Com o entretenimento da ceia, o objeto foi em parte esquecido, e, depois, os três ficaram sentados, escutando, atentos, uma segunda série das aventuras do soldado na Índia.
– Se a história a respeito da mão do macaco não for mais verdadeira do que as outras que ele nos esteve contando – disse Herbert, quando a porta se fechou às costas do hóspede, apenas em tempo para este apanhar o último trem –, não conseguiremos grande coisa com ela.
– Deste-lhe alguma coisa por ela, meu velho? – perguntou a senhora White, olhando para o marido, com atenção.
– Uma bagatela – respondeu ele, corando de leve. – Não queria aceitar, mas obriguei-o. E insistiu de novo comigo para que a jogasse fora.
– Não faça isso! – exclamou Herbert, com pretenso horror. – Ora essa! Vamos ficar ricos, famosos e felizes. Deseje ser imperador, papai, para começar; depois, não poderá ser dominado pela esposa.
Correu em volta da mesa, perseguido pela indignada senhora White, armada de uma vassoura. O senhor White tirou a mão de macaco do bolso e olhou para ela, indeciso.
– Não sei o que hei de desejar, esta é a verdade... – disse, lentamente. – Parece-me que tenho tudo o que quero.
– Se liquidasse a hipoteca da casa, seria completamente feliz, não é verdade? – sugeriu Herbert, pousando-lhe a mão no ombro. – Pois bem, deseje duzentas libras, então; é justamente o que falta.
O pai, sorrindo, meio envergonhado da própria credulidade, ergueu o talismã, enquanto o filho, com ar solene, que um piscar de olhos à mãe desmentia, sentava-se ao piano e fazia soar alguns acordes majestosos.
– Desejo ter duzentas libras – pediu o velho, em voz alta.
Uma bela ressonância do piano saudou aquelas palavras, interrompida por um grito assustado do velho. O filho e a esposa correram para ele.
– Mexeu-se!... – exclamou ele, com um olhar de receio para o objeto que jazia no chão. – Quando formulei o desejo, contraiu-se-me na mão qual uma cobra.
– Bem, não vejo o dinheiro... e aposto que nunca o verei – atalhou o moço.
– Deve ter sido impressão tua, meu velho – disse a esposa, olhando para ele com ansiedade.
O marido abanou a cabeça.
– Não importa, porém. Não aconteceu nada de mau, mas levei um choque assim mesmo.
Sentaram-se novamente, junto ao fogo, enquanto os dois homens acabavam de fumar seus cachimbos. Lá fora, o vento estava mais forte do que nunca, e o velho teve um sobressalto nervoso ao som de uma porta batendo no primeiro andar. Um silêncio insólito e deprimente pesou sobre os três, e prolongou-se até que o casal de velhos se levantou para recolher-se.
– Espero que encontre o dinheiro amarrado em um grande maço, no meio da cama – gracejou Herbert, ao curvar-se para dizer-lhes boa noite – e qualquer coisa terrível agachada em cima do guarda-roupa, espiando-o, enquanto o senhor se apossa da fortuna mal ganha.
O senhor White permaneceu sozinho no escuro, observou as brasas e viu faces formarem-se nelas. A última era tão horrível e simiesca que a encarou espantado. Parecia tão vívida que provocou nele um sorriso constrangido; pegou de sobre a mesa uma vasilha com água e despejou-a no braseiro. Sem querer, tocou a mão do macaco e sentiu um leve calafrio; esfregou as mãos nas vestes e foi para a cama.
II
Na manhã seguinte, na claridade do sol de inverno iluminando a mesa do café, Herbert riu-se do susto dos pais. Havia um ar de saudável banalidade no aposento que faltava na noite anterior, e a pequena mão de macaco, suja e enrugada, estava pousada sobre o aparador, com um pouco caso que não demonstrava grande fé nas suas virtudes.
– Suponho que todos os velhos soldados são iguais – disse a senhora White. – Que ideia, a nossa, de dar ouvidos a tais contrassensos! Como poderiam realizar-se simples desejos, hoje em dia? E, se pudessem, como haviam de fazer-te mal duzentas libras, meu velho?
– Podiam cair-lhe do céu na cabeça – chasqueou o frívolo Herbert.
– Morris contou que as coisas aconteciam tão naturalmente – disse o pai – que se poderia, querendo, atribuí-las a mera coincidência.
– Bem, não vá gastar o dinheiro todo antes que eu esteja de volta – recomendou Herbert, levantando-se da mesa. – Receio que se transforme em um mesquinho avarento e que tenhamos de desconhecê-lo.
A mãe riu-se, e, acompanhando-o até a porta, observou-o enquanto seguia pela estrada abaixo, e depois, voltando à mesa do café, divertiu-se muito às custas da credulidade do marido. O que não a impediu de precipitar-se para a porta, quando o carteiro bateu, e nem tampouco de resmungar qualquer coisa sobre majores reformados, de hábitos biliosos, quando verificou que o correio lhe trazia apenas uma conta do alfaiate.
– Herbert vai dizer mais algumas pilhérias, espero, quando voltar – disse ela, quando se sentavam para jantar.
– Imagino que sim – concordou o senhor White servindo-se de cerveja –, mas, seja como for, aquela coisa mexeu-se na minha mão; isso eu posso jurar.
– Pensaste que se moveu – observou a velha senhora, meigamente.
– Digo que se mexeu! – replicou o outro. – Não resta a menor dúvida. Eu tinha... o que foi?
A esposa não respondeu. Estava observando os misteriosos movimentos de um homem, lá fora, que, espreitando de maneira indecisa para a casa, parecia estar tentando resolver-se a entrar. Em conexão mental com as duzentas libras, notou que o estranho estava bem vestido e usava uma cartola de seda, brilhante e nova. Três vezes parou ao portão, mas, depois, se afastou de novo. Da quarta vez, parou com a mão pousada nele, e, com súbita resolução, abriu-o e caminhou em direção à casa. A senhora White, no mesmo instante, levou as mãos às costas e, desatando apressadamente os cordões do avental, colocou aquela útil peça de roupa sob a almofada da sua cadeira.
Trouxe o estranho, que parecia pouco à vontade, para dentro do aposento. Ele olhava furtivamente para a senhora White, e escutava, com ar preocupado, enquanto a velha senhora pedia desculpas pela aparência da sala, e pelo sobretudo do marido, um agasalho que, geralmente, ele reservava para o jardim. Ela esperou, tão pacientemente quanto o seu sexo o permitia, que o homem desembuchasse o que tinha para dizer, mas, a princípio, ele conservou-se num silêncio embaraçado.
– Pediram-me... para vir aqui – disse, por fim, e curvou-se para tirar um fiapo de algodão das calças. – Venho de parte de Maw & Meggins.
A velha senhora sobressaltou-se.
– Que foi? – perguntou, com a respiração alterada. – Aconteceu alguma coisa a Herbert? Que é? Que é?
O marido interpôs-se.
– Vamos, vamos, minha velha – disse, apressadamente. – Senta-te, e não tires conclusões antecipadas. Não é portador de más notícias, estou certo, senhor – e observava o outro atentamente.
– Sinto muito. . . – começou o visitante.
– Está ferido? – perguntou a mãe.
O visitante curvou-se, confirmando.
– Gravemente ferido, mas já não sofre coisa alguma.
– Oh, graças a Deus! – exclamou a velha senhora, juntando as mãos. – Graças a Deus, por isso. Graças...
Interrompeu-se de súbito, ao perceber o sinistro significado da afirmativa do outro e viu a terrível confirmação dos seus receios na cara compungida que ele fez. Suspendeu a respiração, e voltando-se para o marido, menos vivo em compreender do que ela, pousou a mão trêmula na dele. Houve um longo silêncio.
– Foi colhido por uma máquina – disse o visitante por fim, em voz baixa.
– Colhido por uma máquina – repetiu o senhor White, de maneira vaga. – Sim.
Ficou sentado, olhando confusamente pela janela; e, tomando a mão da esposa entre as suas, apertou-a como costumava fazer nos velhos tempos em que se namoravam, quase quarenta anos atrás.
– Era o único que nos restava – disse, voltando-se gentilmente para o visitante. – É duro.
O outro tossiu, e, levantando-se, caminhou lentamente até à janela.
– A firma encarregou-me de transmitir-lhes a sua sincera simpatia pela grande perda que sofreram – disse, sem voltar a olhar. – Peço-lhes para compreenderem que sou apenas um empregado e que estou obedecendo a ordens recebidas.
Não houve resposta; a face da anciã estava branca, os olhos vítreos, a respiração mal audível; no rosto do marido, havia uma expressão que devia ser semelhante à do seu amigo major ao entrar pela primeira vez em ação.
– Devo dizer-lhes que Maw & Meggins negam qualquer responsabilidade – continuou o outro. – Não admitem qualquer obrigação, mas, em consideração aos serviços prestados por seu filho, desejam oferecer-lhes certa importância em dinheiro, a título de compensação.
O senhor White deixou cair a mão da esposa, e, pondo-se em pé, fitou o visitante com um olhar horrorizado. Seus lábios secos balbuciaram a palavra:
– Quanto?
– Duzentas libras – foi a resposta.
Inconsciente do grito da esposa, o ancião sorriu debilmente, estendeu as mãos feito um homem cego, e caiu, qual um farrapo, inerte, no assoalho.
III
No vasto cemitério novo, a umas duas milhas de distância, os anciãos enterraram o morto querido e voltaram para a casa, agora imersa em sombras e silêncio. Acontecera tudo tão rapidamente que, a princípio, mal podiam compreendê-lo, e tinham ficado em um estado de expectativa, como se alguma coisa mais devesse acontecer – alguma coisa que aliviasse aquela carga demasiado pesada para os seus velhos corações suportarem. Mas os dias se passaram e a cruel expectativa cedeu lugar à resignação – a resignação irremediável dos velhos, às vezes erroneamente chamada apatia. Às vezes, mal trocavam uma palavra, porque agora não tinham sobre que falar, e seus dias eram longos e enfadonhos.
Foi cerca de uma semana depois daquilo que o ancião acordando de súbito, uma noite, estendeu a mão e verificou que se achava sozinho na cama. O quarto estava em trevas e vinha da janela um som de soluços abafados. Sentou-se na cama e escutou.
– Volta - disse ele, com ternura. – Vais ficar com frio.
– Mais frio estará sentindo meu filho – respondeu a anciã, e soluçou mais alto.
O som dos soluços morreu nos ouvidos dele. A cama estava quente e, seus olhos, pesados de sono. Dormitou um pouco, agitado, e depois adormeceu, até que um súbito grito selvagem da esposa o acordou em sobressalto.
– A mão do macaco! – gritava ela, selvagemente. – A mão do macaco!
Ele despertou, alarmado.
– Onde? Onde está? Que foi que aconteceu?
Ela veio cambaleando pelo quarto, em direção a ele.
– Quero-a – disse, calmamente. – Tu não a destruíste?
– Está na sala, na prateleira – respondeu ele, muito admirado. – Por quê?
Ela chorava e ria-se ao mesmo tempo e, curvando-se, beijou-o na face.
– Só agora me lembrei disso – disse, histericamente. – Por que não me lembrei antes? Por que não te lembraste tu?
– Lembrar de quê?
– Dos outros dois desejos – respondeu ela, rapidamente. – Só formulamos um.
– E não foi o bastante? – perguntou ele, com violência.
– Não! – exclamou ela, triunfalmente. – Formularemos mais um. Vai lá embaixo, traze-a depressa, e manifesta o desejo que teu filho esteja vivo de novo.
O homem sentou-se na cama e afastou as cobertas de sobre os membros trêmulos.
– Santo Deus, estás louca! – exclamou, aterrado.
– Vai buscá-la – insistiu ela. – Vai buscá-la e pede. Oh, meu filho, meu filho!
O marido riscou um fósforo e acendeu a vela.
– Volta para a cama – disse, irresolutamente. – Não sabes o que estás dizendo.
– Obtivemos a realização do primeiro desejo – disse a anciã, com fervor –; por que não havemos de obter o segundo?
– Uma coincidência... – gaguejou o ancião.
– Vai buscá-la e pede! – gritou a anciã, trêmula.
O velho homem agitou-se, e falou para ela, a voz comovida:
– Ele já está morto há dez dias e, ainda mais, há algo que não quis que soubesses... só consegui reconhecê-lo pelas roupas. Se a cena era, então, demasiadamente horrível de se ver, o que não será agora?
– Traze-o de volta! – gritou novamente a anciã, e arrastou-o em direção à porta. – Achas que terei medo da criança que criei?
Ele desceu, no escuro, tateou o caminho para a sala e depois para o aparador. O talismã estava no seu lugar, e um horrível medo de que o desejo não formulado trouxesse o filho mutilado à sua presença, antes que ele pudesse fugir do aposento, apoderou-se do seu espírito. Susteve a respiração, quando viu que perdera a direção da porta. Com a testa úmida de suor, caminhou às apalpadelas em volta da mesa, e foi-se arrastando, ao longo da parede, no estreito corredor, com aquela coisa nojenta na mão.
Até o rosto da esposa pareceu-lhe mudado, quando entrou no quarto. Estava branco e expectante, e, para seu receio, parecia ter um ar sobrenatural. Teve medo dela.
– Pede! – gritou ela, com voz forte.
– É uma tolice inútil – esquivou-se ele.
– Pede! – repetiu a esposa.
Ele ergueu a mão.
– Quero meu filho vivo novamente.
O talismã caiu no assoalho e o velho fitou-o, estremecendo. Depois, deixou cair-se, tremendo, em uma cadeira, enquanto a esposa, com os olhos ardendo, se dirigia à janela e levantava a gelosia.
Ficou sentado até sentir-se enregelado de frio, olhando de vez em quando para a figura da anciã, espreitando para fora pela janela. O coto da vela, que ardera até abaixo do anel do castiçal de porcelana, lançava sombras oscilantes sobre o teto e as paredes, até que, com uma palpitação mais forte do que as outras, extinguiu-se. O ancião, com indizível sensação de alívio pelo fracasso do talismã, voltou à cama, e, um minuto ou dois após, a anciã veio, silenciosa e apática, para junto dele.
Nenhum dos dois falou e ambos ficaram deitados silenciosamente, escutando o tique-taque do relógio. Um degrau da escada estalou e um camundongo assustado correu ruidosamente por dentro da parede. A escuridão era opressiva; depois de ficar algum tempo deitado, reunindo coragem, o marido pegou na caixa de fósforos e, riscando um, desceu as escadas para buscar uma vela.
No último degrau, o fósforo apagou-se, e ele parou para acender outro, mas, naquele momento, uma batida tão leve e furtiva que mal era audível, soou na porta da rua.Os fósforos caíram-lhe das mãos. Ficou imóvel, com a respiração suspensa, até que a batida se repetiu. Então, voltou-se e correu velozmente até o quarto, fechando a porta atrás de si. Uma terceira batida ressoou pela casa.
– Que foi isto? – exclamou a anciã, sobressaltando-se.
– Um rato – disse o ancião, em voz trêmula. – Um rato. Passou por mim, nas escadas.
A esposa sentou-se na cama, escutando. Uma batida forte ressoou pela casa.
– É Herbert! – gritou ela. – É Herbert!
Correu para a porta, mas o marido colocou-se diante dela e, agarrando-a pelo braço, segurou-a com força.
– Que vais fazer? – sussurrou, asperamente.
– É meu filho, é Herbert! – gritou ela, lutando mecanicamente. – Tinha-me esquecido de que eram duas milhas de caminho. Por que me seguras? Solta-me! Tenho de abrir a porta.
– Pelo amor de Deus, não o deixes entrar! – disse o ancião, tremendo.
– Tens medo do teu próprio, filho! – exclamou ela, debatendo-se. – Deixa-me ir! Já vou, Herbert, já vou!
Houve outra batida, e mais outra. A anciã, num súbito arranco, libertou-se e saiu correndo do quarto. O marido seguiu-a até ao patamar e chamou-a insistentemente, enquanto ela corria escadas abaixo. Ouviu a corrente de segurança ser retirada e a lingueta da chave abrir-se, rangendo. Depois, a voz da anciã, áspera e palpitante.
– O ferrolho! – gritou, alto. – Desce, não consigo soltá-lo!
Mas o marido estava de gatas, arrastando-se ferozmente pelo chão, à procura da mão do macaco. Se pudesse ao menos encontrá-la, antes que aquela horrível coisa lá de fora entrasse! Uma verdadeira saraivada de batidas repercutiu pela casa, e ele ouviu o arrastar de uma cadeira, que a esposa estava colocando junto da porta. Ouviu, ainda, o ruído do ferrolho ao ser aberto lentamente; no mesmo instante, achou a mão do macaco, e, freneticamente, bradou seu terceiro e último desejo.
As batidas pararam de súbito, embora o seu eco inundasse, ainda, a casa. Ouviu a cadeira sendo arrastada para trás e a porta abrir-se. Um vento frio encanou pelo vão das escadas, mas o longo e sonoroso lamento de decepção e agonia da esposa deu-lhe coragem para descer até onde ela estava, e abrir a porta por trás dela. O lampião, que bruxuleava em frente, mostrou-lhe a estrada, calma e deserta.
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