9 de outubro de 2008


O verdadeiro João VIII: dez anos de reinado


João VIII existiu realmente, mas à exceção do nome não tinha nada a ver com a papisa. Sagrado papa no final de dezembro de 872, ele sucedeu a Adriano II. Palaciano, foi por muito tempo arquidiácono (chefe dos diáconos responsável pela coleta de esmolas) e se revelou tão ponderado como econômico. Seu cuidado com as finanças permitiu que ele enviasse tropas contra os sarracenos e promovesse grandes obras em Roma, cidade que era então um vasto campo de ruínas, com as antigas construções ainda em pé. Assim, foi sob seu reinado que as paredes do Vaticano foram reforçadas. João VIII morreu em 15 de dezembro de 882, sem dúvida envenenado por um clérigo da Cúria.


O ritual de checagem do sexo papal

Depois do incidente que se seguiu à eleição involuntária de uma mulher para o trono de Pedro, os clérigos do Vaticano tiveram a idéia de submeter o eleito a um ritual que certificasse o sexo do futuro papa. No momento da investidura do novo pontífice, ele tinha que se sentar numa cadeira semelhante a um assento sanitário que o obrigava a abrir as pernas. Um diácono se assegurava então da presença dos órgãos genitais masculinos, pronunciando a frase "Habet duos testiculos et bene pendentes". Ainda existem duas dessas cadeiras. Uma está no Vaticano, a outra, roubada, como tantos outros tesouros por subordinados de Napoleão quando da campanha da Itália, está no Museu do Louvre.


IVAN MATAGON é especialista em história medieval.
Fonte: História Viva.


O Papa que deu à luz


Em 15 de agosto de 858, o soberano pontífice foi acometido de violentas dores no ventre. Eram dores de parto. Só então se soube que João era, na realidade, Joana


Roma, 17 de julho do ano da graça de 855. Leão IV, papa havia oito anos, entregava a alma a Deus. Para substituí-lo no trono de São Pedro, os cardeais escolheram um clérigo tão piedoso quanto sábio, um certo João, o Inglês, assim chamado por causa da origem de sua família. O acontecimento era importante: por um lado, um estrangeiro tornava-se papa, o que não era habitual; por outro, havia sido escolhido por unanimidade, o que era ainda mais raro.

João VIII, monge do mosteiro de São Martinho, em Roma, era pouco conhecido. Tendo chegado à Cidade Eterna alguns anos antes, havia se destacado pela grande discrição e pela aura de uma vida dedicada aos estudos e à fé. E então, quando no século IX o papado ficou entregue às mãos das poderosas famílias romanas, ele tinha a vantagem de não pertencer a nenhum clã, de não tomar o partido de nenhum dos lados. Sua vida exemplar e o que dele se sabia o apresentavam mais como um intelectual devoto do que como um político.

João VIII era um intelectual. No mosteiro de São Martinho, reunia em torno de sua cátedra um auditório cada vez mais importante. Sua eloqüência, seu amor pela teologia e pelas ciências, tanto as sagradas quanto as profanas, o tinham levado a discussões públicas com os maiores eruditos da época. Ele nunca fora pego de surpresa, ou vencido. Ganhou o título de sábio dos sábios. Sua fama ultrapassou, assim, os muros do mosteiro.

Mas tão logo foi eleito, o quase santo não correspondeu às esperanças nele depositadas. O povo de Roma decepcionou-se. De que servia um santo no trono de Pedro, se ninguém podia se aproximar dele, ou mesmo vê-lo?

Na verdade, João VIII se tornou ainda mais discreto do que já era anteriormente. Passou-se um ano, e depois outro, sem sair do Vaticano. No entanto, ele não era inativo: ergueu igrejas e altares, compôs prefácios para as missas e instituiu a quaresma; devolveu o cetro e a coroa imperial a Luís II, filho do velho imperador Lotário, que havia se retirado para um convento. Tudo isso sem nunca aparecer em público.

Mas no início do ano 858 sua presença se fez necessária. Calamidades naturais abateram-se sobre as cidades e os campos. O rio italiano Tibre transbordou, houve um tremor de terra e nuvens de gafanhotos destruíram a colheita. A análise que a mentalidade da época fazia das catástrofes naturais era de analogia com as pragas do Egito. O pontífice, aquele que "fazia a ponte" entre a humanidade e Deus, precisava intervir.

Em desespero de causa, João VIII, convocado pelos cardeais, aceitou conduzir a procissão das Súplicas - destinada a fazer chover -, que devia acontecer no dia da Ascensão.

Na manhã desse dia, os sinos dobravam, e toda a população estava reunida para a festa, ao longo do itinerário previsto, que levava do Vaticano à igreja de São João de Latrão. Mesmo antes que o cortejo partisse do palácio pontifical, o entusiasmo estava no auge.

Enquanto milhares de vozes encobriam os salmos e as súplicas pronunciadas pelo papa, o cortejo cumpria as principais etapas, pelas ruas de Roma. O sol, elevando-se no céu, fazia-se mais e mais ardente, e as primeiras fileiras da multidão e dos cardeais começaram a notar que o rosto do papa se alterava, de quando em quando. Em seguida, uma careta de dor contínua marcou sua face. A preocupação tomou conta dos cardeais. Mais ainda porque o papa deixou de cantar e gemia surdamente. Os membros da Cúria se perguntavam se não seria melhor interromper a cerimônia.

Mas não houve tempo de responder. Subitamente, o papa soltou um grito, caiu da mula que o carregava, seguro somente por dois cardeais que estavam a seu lado. O sumo pontífice se dobrou sobre si mesmo, apertando o ventre e desmaiando. A multidão foi sacudida pela surpresa, os gritos e o choro substituíram os cantos religiosos. João VIII foi levado para o interior da igreja de São Clemente.

Lá dentro, ao mesmo tempo que se tentava descobrir a razão daquela dor no baixo ventre, ao se erguer as vestes do papa uma horrível revelação saltou aos olhos dos que ali estavam: o papa era uma mulher! Aterrorizados, todos fizeram o sinal da cruz. A cólera começou então a substituir o estupor. Mas o escândalo não terminava ali. O papa João VIII estava dando à luz, conspurcando as roupas de cerimônia e o local sagrado da igreja.

A inacreditável notícia se espalhou. Rapidamente ficou difícil conter a multidão, que tentava massacrar ali mesmo aquela que havia ousado desprezar o cargo mais importante da cristandade. Finalmente sabia-se quem era a responsável pelas calamidades enviadas pelo Senhor. João VIII, a papisa, morreu de dores de parto. A criança, uma menina, nasceu morta.

Todos se puseram de acordo para encontrar um culpado. No caso, o culpado foi João, o Inglês, doravante mais adequadamente chamado de Joana. A Cúria decidia não considerar aquela aventureira a única culpada. Providenciou-se uma diligência de investigação - o que se deveria ter feito antes - e se descobriu toda sua história.

Aos 18 anos, Joana partira com um amigo para Atenas - alguns textos falam de amante - para ali estudar grego e filosofia, passando uma primeira vez por Roma. Por motivos de conforto na viagem, vestiu roupas masculinas. Depois da Grécia, ficou na Inglaterra, terra de seus antepassados. Como seu companheiro morreu, ela voltou a Roma, capital do mundo cristão, e, antes como agora, principal centro da cultura religiosa. Todavia, ela tinha conservado as roupas masculinas, consciente das vantagens que podia auferir. Na verdade, graças àquelas roupas Joana foi apresentada aos círculos mais restritos, reservados aos doutos eruditos da cristandade, e introduzida nos mosteiros, que as mulheres não tinham o direito de freqüentar. Alguns santuários eram efetivamente proibidos, e elas só podiam venerar as relíquias dos santos, ali conservadas, uns poucos dias por ano. Antes dela, outras mulheres também tinham evitado a proibição graças a um disfarce. Foi assim que, por uma discrição constante e uma sede de trabalho intelectual, Joana pôde, nos primeiros tempos, integrar o mosteiro de São Martinho em Roma, e depois, finalmente, ser eleita papa.

Permanecia o mistério da gravidez. Como explicar que ela estivesse grávida, ela que sempre tinha sido de uma pureza e de costumes irrepreensíveis? Bocage, muitos séculos depois desses acontecimentos, indicou que, cedendo à licenciosidade que reinava em Roma, Joana havia se deixado seduzir por Lamberto da Saxônia, embaixador naquela cidade. Pergunta-se se ele, ao querer seduzir um papa, se viu de repente com uma jovem mulher nos braços, ou se teria antes descoberto a mulher por detrás do papa. A história não fala diretamente, mas ainda assim revela bastante sobre a licenciosidade sexual da corte pontifical de então: alguém ambicioso podia empregar todos os meios para atingir seus objetivos. Lamberto da Saxônia, por exemplo, não assumindo absolutamente o papel de pai da filha do papa, se eclipsou judiciosamente, antes que o escândalo estourasse. E foi esse escândalo que se tornou de conhecimento geral no dia da Ascensão em 858.

As primeiras fontes que contaram a história da papisa Joana datam de quatro séculos depois dos acontecimentos. Pois se certos manuscritos falam deles, como o de Anastásio, o Bibliotecário (século IX), ou as crônicas de Martin le Scot, monge de Fulda (século XI), e de Sigebert de Gembloux (século XII), assim foi somente nas versões dos séculos XIV e XV. Os manuscritos originais não dizem uma única palavra a respeito. Na realidade, o testemunho escrito mais antigo sobre a papisa está em A crônica universal de Metz, redigido por volta do ano 1250 pelo dominicano Jean de Mailly.

Segundo ele, o episódio aconteceu no final do século XI. Ele o cita como um boato: "A verificar. Naqueles anos, houve um certo papa, ou melhor, uma papisa, pois era mulher; disfarçando-se de homem ela se tornou, graças à honestidade de seu caráter, notário da Cúria, em seguida cardeal, e finalmente papa (...)". Esse texto, por sua vez, está reproduzido no Le traité des divers sujests de prédication, do dominicano Étienne de Bourbon, escrito por volta de 1260. Depois de Étienne de Bourbon, a história foi ganhando detalhes. Assim, em sua Crônica dos papas e imperadores, o dominicano Martinho, o Polonês, diz: "Depois desse Leão, João, tido como inglês, mas na verdade originário de Mogúncia, reinou 2 anos, 7 meses e 4 dias. Morreu em Roma e o papado ficou vago por um mês. Pelo que se diz, ele era uma mulher. (...) Ele não foi inscrito na lista dos santos pontífices, em razão da não conformidade de sexo". Essa crônica teve um sucesso extraordinário. Mais de 150 manuscritos chegaram até nossos dias.

Com a divulgação desses relatos, a crença na história da papisa foi confirmada. Em 1403, quando Jean Gerson pregava diante do papa Bento XIII, em Tarascona, ele citou-a como personagem oficial da história. Ao indicar, no Concílio de Constância, que ela havia ocupado o trono pontifical durante dois anos, Jan Huss não foi desmentido por ninguém. Assim como o cardeal Juan de Torquemada, tio do famoso inquisidor, quando recordou sua história, em sua Súmula para a Igreja, em 1561.

Essa versão só foi alterada no fim do século XVI. Clemente VIII conseguiu do grão-duque da Toscana que o retrato da papisa fosse apagado da catedral de Siena, onde há representações de vários papas. Foi na época da Contra-Reforma católica que as dúvidas sobre a existência da papisa começaram. Concomitantemente ao fato de os protestantes explorarem essa história, para mostrar a depravação do clero católico em todas as épocas.

Para dar uma resposta a esses polemistas, os católicos transformaram-se em críticos históricos. O primeiro a fazer isso foi sem dúvida Jean l'Aventin, que em seus Anais bávaros refutava o que ele chamava de lendas sobre a papisa. Os eruditos católicos, por sua vez, afirmavam que era materialmente impossível situar João VIII, nome oficial e registro do exercício do papado por Joana, na data em geral atribuída pela lenda. Se um João VIII havia realmente existido, não havia qualquer lugar para a papisa na cronologia dos papas, como confirmava o Liber Pontificalis, a solidíssima historiografia dos papas.

De Onofrio Panvivio a Florimon de Rémond, todos os eruditos negaram a lenda. No século XVIII, o golpe mortal foi dado por Bayle, em seu Dicionário histórico e crítico. Os filósofos do Iluminismo tampouco acreditavam. E se os opositores do clero, do século XIX, tentaram relançar a lenda, tampouco tiveram sucesso.

IVAN MATAGON é especialista em história medieval.

14 de setembro de 2008

Quo vadis? ou Quando os asnos apelam para Zeus



Um padre e um rabino foram certa feita assistir a uma luta de boxe.
O rabino, ao ver um dos pugilistas entrar e fazer o sinal-da-cruz, pergunta:
– Padre, o que significa aquele gesto...?
O padre meneou a cabeça e disse:
– Não significa nada se você não sabe lutar.

9 de setembro de 2008

Croce e delizia al cor


















Giorgio de Chirico, Mystery and Melancholy of a Street.

Nietzsche


Daquilo que pensas conhecer é preciso que te despeças, pelo menos por um tempo; pois somente depois de teres deixado a cidade verás a que altura suas torres se elevam acima das casas.

Yehuda Amichai



NOSSA HISTÓRIA


Na história de nosso amor, um foi sempre
Uma tribo nômade, outro uma nação em seu próprio solo.
Quando trocamos de lugar, tudo tinha acabado.
O tempo passará por nós, como paisagens
Passam por trás de atores parados em suas marcas
Quando se roda um filme.
As palavras
Passarão por nossos lábios, até as lágrimas
Passarão por nossos olhos.
O tempo passará
Por cada um em seu lugar.
E na geografia do resto de nossas vidas,
Quem será uma ilha e quem uma península.
Ficará claro pra cada um de nós no resto de nossas vidas
Em noites de amor com outros.



Yehuda Amichai é poeta e escritor israelense nascido na Alemanha.
Tradução de Millôr Fernandes.

29 de maio de 2008

Hilda Hilst



Irreconhecível

Me procuro lenta
Nos teus escuros.
Como te chamas, breu?
Tempo.



Fonte: Hilda Hilst in Da Morte, Odes Mínimas.

28 de maio de 2008

Clarice Lispector


Clarice é hermética, aleatória, de subjetividade contumaz. Há qualquer coisa nela que me incomoda e inquieta. Nunca gostei. Mas há entrechos aqui que merecem registro. Seja pelo lirismo, seja pelo curioso tom de farsa:

*

Havia meninos que eu escolhera e que não me haviam escolhido, eu perdia horas de sofrimento porque eles eram inatingíveis, e mais outras horas de sofrimento aceitando-os com ternura, pois o homem era o meu rei da Criação.

*

Para que te serve essa cruel boca de fome? Para te morder e para soprar a fim de que eu não te doa demais, meu amor, já que eu tenho que te doer, eu sou o lobo inevitável pois a vida me foi dada.

*

E eu não soube como existir na frente de um homem.

*

Amor é quando é concedido participar um pouco mais. Poucos querem o amor, porque o amor é a grande desilusão de tudo o mais.


Fonte: 
Clarice Lispector in A Legião Estrangeira.

8 de março de 2008

Procura-se um tradutor



Catch Them If You Can [7 August 2003]
by Tara Taghizadeh

I arrived at the The New Republic in the summer of 1988, a young, eager beginner ready to learn all that I could about the world of writing and editing. I couldn't believe my amazing fortune: that I had landed a position (though only as a proofreader) at one of the most respected magazines in the world, an institution that boasted (and still boasts) some of the best and most talented writers and editors. Over the next two years, I called The New Republic home, and learned not only the merits of meticulous proofreading, copy editing, and so on, but the importance of thought-provoking, influential and beautiful prose. I made a vow that one day I would write as beautifully and profoundly as The New Republic writers. This was the place that inspired me to continue my journalistic ambitions, and where I learned an even greater lesson: taking pride in one's profession, and remaining devoted to a code of ethics.

So it was with great shock and dismay that years later, in May 1998, I learned that a young New Republic writer, Stephen Glass, had been fired for fabricating a slew of stories (not only for New Republic, but a few other magazines for which he free-lanced). Glass, described as affable and eager-to-please, had started an avalanche of lies that had all been published in the magazine. Somehow, the soft-spoken young reporter had managed to fool his colleagues into buying every line he had to offer. Finally caught by then editor Chuck Lane, Glass was fired and set The New Republic on the difficult course of having to explain to its readers the question of how and why this happened.

The question of "how" is probably easier to answer: There is an unspoken trust between an editor and his writer, and it's a given that a writer or reporter will report the truth. (But as Glass, and more recently the
New York Times' Jayson Blair, have proven, there is no longer a guarantee of truth.) One can question why The New Republic fact-checkers (Glass was, interestingly, a fact-checker) didn't probe deeper into his stories. According to a 1998 Columbia Journalism Review article, editor Chuck Lane explained that when Glass was questioned about his sources, he would "provide forged faxes on fake letterheads of phony organizations, as well as fictitious notes, even voice mail or actual calls from people pretending to be sources." Though we can still argue that in many institutions, the fact-checker's rule of thumb is: it's only a fact if it's verified by three sources, it's impossible to question fake voice mails and phone messages. Why on earth would you doubt them? Interestingly, as Michael Kinsley wrote in Slate back when the Glass story broke:

More important — and funnier — is what fact-checkers spend much of their time doing, which is looking for facts in newspapers . . . Newspapers do not have fact-checkers! No, not even the New York Times. Yet a fact confirmed in the New York Times is considered checked. And rightly so, since the New York Times is generally quite accurate.


No longer. The more puzzling question, though, is "why"? Why would someone who obviously has enough talent to be hired by a venerable institution feel the need to ruin themselves, and more importantly, shame the institution with which they are affiliated? Destroy yourself if you wish, but why harm the innocent?


The recent Jayson Blair fiasco at the New York Times bears similarities to the Glass story: another young favored reporter who was promoted through the ranks (even against the advice of a few of his editors), who then plagiarized and fabricated stories. Many have argued that the African-American Blair benefited from affirmative action policies; others blame his messy personal problems, riddled with drug and alcohol use, and need for extensive therapy. Still others have pinpointed the pressure placed on young reporters who feel the need the excel: a sort of "survival of the fittest" theory; and insiders have explained Blair's chumminess with a few top-level editors who sensed a star potential and began to tailor his success. As CNN reported, the 27-year-old Blair also "faked stories and quotes, plagiarized other publications and filled expense reports to make it appear he was traveling on assignment when he was actually at his home in Brooklyn." After his firing, Blair then went on an interview blaze, talking to every publication that was interested in hearing his side. He even expressed anger as to why he had not been paralleled to Stephen Glass who had been described as a "genius" and "whiz kid" for his wily ways. Strange.

Inevitably inspired by Glass who went on to finish law school, write a recently published book, The Fabulist (an autobiographical book, which according to Newsweek, Glass regards as "an apology"), and enjoy a 60 Minutes profile, Blair began scouring the book publishing market to sell his story and find other ways of self-promotion as the New York Times reeled from the damage which Blair had wrought. Editor Howell Raines and his deputy quit, after angry staffers demanded explanations as to how this was allowed to happen at the world's most important newspaper. Indeed, Blair simultaneously destroyed his own career and those of the editors who had championed his cause.

The real answers probably elude even Glass, Blair, and every other forger, "fabulist", and con artist who embarks on these episodes. Prior to Glass and Blair, there was the Washington Post's Janet Cook, whose fabricated article about an eight-year-old heroin addict won her a Pulitzer Prize. The Pulitzer was rescinded after Cook admitted to faking the story. The puzzling thing is that such behavior appears to be an unconscious effort to hurt others. Wreak havoc on yourselves, but why do you allow such fabrications to cross over into your profession and to others? Perhaps, it's simply arrogance, and the bizarre miscalculation that you can get away unscathed with saying anything you damn well please. Sorry, think again.

Given my profession, I have over the years met several journalists, many of whom I disrespect and dislike. This is a sentiment echoed by a few friends, also active in the profession, who agree that the biggest obstacle facing many journalists is an arrogance and an annoying "above it all" attitude that makes them suffer from the delusion that they can do and say anything. Wrong.


The con artist has always held a particular appeal in American culture. Hoax connoisseurs and tricksters who somehow dodge the system are always regarded with a dash of awe and perhaps even sympathy. The recent film, Catch Me If You Can, which relates the true story of charming conman Frank Abagnale, Jr. (brilliantly portrayed by the dashing Leonardo DiCaprio), exemplifies this best. Here's a guy who posed as a doctor, lawyer, and Pan Am pilot, and milked the system for millions of dollars before finally getting caught. Yet we find ourselves rooting for him, and hoping that he would succeed in his escapades. Go figure.


But does the sentiment and sympathy always hold true? Is the public always willing to forgive and forget? Americans seem to have a short attention span — particularly in recent years — especially when it comes to their so-called villains. Abagnale went on to work for the FBI (as a condition of his sentence), assisting them in their check fraud department. He has now written a book (on which the film is based), and is basking in newfound fame. Glass embarked on a mission of soul-searching and expressing remorse for what he had done, finished law school, published his book, and is currently at work on a second. A film, Shattered Glass, based on his life is scheduled for release in October. Blair has been tapped by both Esquire and Jane magazines for writing assignments. Have these conmen managed to redeem themselves? Perhaps, but only ever so slightly. The damage and self-destruction they have wreaked could also prove everlasting, as it did with the Washington Post's Cook, who simply disappeared from the radar screen.

In a recent Newsweek article, current New Republic editor, Peter Beinart, had this to say about Glass: "I think Steve is the clearly the same person . . . which is to say he's very smart and completely repulsive." No doubt the same sentiment holds true for Blair and every other present and future "fabulists" that attempt to get away with falsehoods. Despite the awe, infamy, and perverse glory attached to their deeds, nothing is worth the inevitable disgust which so many convey as a result. This world has a cautionary warning to offer: Watch what you say, or you will be destroyed.



2 de março de 2008

Coletivos


CLÁUDIO MORENO



É surpreendente o número de consultas que ainda recebo sobre coletivos raros ou desusados. Geralmente elas provêm daqueles pais que estão tentando ajudar seus filhos a fazer os deveres escolares, mas desesperam quando não encontram o vocábulo adequado para designar um conjunto de pinhões, de diplomas, de tecidos ou de fracassos. Pudera não! Só com muita pesquisa eles chegariam a esses coletivos, que são, respectivamente, penisco, espicilégio, fanca e cafife - termos que brilham por sua desimportância e por sua inutilidade.

Há muito se deixou de levar a sério o estudo desta espécie de substantivo. Os que realmente interessam não precisam de explicação: o enxame de abelhas, a nuvem de gafanhotos, a manada de elefantes, o cardume de tainhas. Aqueles coletivos específicos, porém, tão estudados no passado, caíram quase todos em desuso. Os leitores mais vividos devem recordar: várias cabras formavam um fato; os camelos, uma cáfila; os porcos não deixavam por menos e formavam uma vara, e os lobos andavam uivando em alcatéias. Ora, se eles se referiam a seres determinados, como diziam os livros escolares, por que acrescentar, ao lado do coletivo, o nome do respectivo animal? Por que expressões como "fato de cabras" ou "cardume de peixes" não são consideradas pleonasmos? Para encontrar a surpreendente resposta, basta ler as obras dos escritores clássicos: o fato não era só de cabras, mas também de vacas, de ovelhas e de reses; a cáfila podia ser também de cães, de bandidos, de salteadores e de rebeldes; o cardume podia não ser de peixes, mas de mouros, de inimigos, de homens, de mariposas e de sereias!

Outra causa, além dessa imprecisão de origem, explica por que essas antigas denominações estão desaparecendo aos poucos: o Português prefere usar, para expressar a idéia coletiva, sufixos extremamente produtivos como -ada, -eiro, -ria, -edo, que se ligam diretamente ao nome do ser ou do objeto a que o termo se refere. Diante de derivações transparentes como boiada, porcada, alunado, formigueiro, maquinaria, arvoredo, buraqueira, pulguedo, etc., nenhum falante terá dificuldade em identificar os seres designados.

Também não podemos esquecer que esses antigos coletivos específicos são pouco numerosos, pois só têm sentido quando se trata de animais gregários, que costumam viver junto com os de sua espécie. Não precisamos ter um coletivo para a tartaruga, a cotia, o jacaré, o tatu, a lesma, o tamanduá, o bicho-preguiça e o canguru, pois são animais que não costumam aparecer em grandes grupos. Se necessitarmos designar um conjunto desses animais, vamos recorrer aos chamados coletivos genéricos (que, na verdade, terminam sendo usados para tudo, até mesmo para o porco, o camelo e a cabra, que tinham os seus coletivos específicos): bando, grupo, manada, rebanho, etc. Esses vocábulos estão ficando tão polivalentes que encontrei uma definição de cambada que poderia figurar naquela absurda enciclopédia chinesa citada por J. L. Borges: "cambada de caranguejos, chaves reunidas, gente ordinária, malfeitores, objetos enfiados em cordão, peixes, vadios e vagabundos".

No tempo em que se levava a sério essa chorumela toda, ainda tínhamos de agüentar, de inhapa, discussões colaterais (e profundamente científicas...) como aquela que vetava o emprego de cardume como coletivo de baleia sob a alegação de que baleia não é peixe. E daí? Câmara Cascudo registrou a antiga tradição brasileira de dar nomes de peixe ao cachorro, a fim de protegê-lo da raiva. Por isso é comum, no interior do Brasil, cachorro chamado Piranha, Cação, Toninha, Tubarão, Siri; aqui no Sul já vi Tainha, Lambari, Jundiá. É evidente que a biologia popular considera peixe tudo o que está no mar; daí a Toninha (outro nome para o boto) e o Siri estarem incluídos na relação. O exemplo mais famoso desse elástico conceito é a simpática cadelinha Baleia, do Vidas Secas. No velho e bom Morais (1813), a baleia é descrita como "peixe marinho muito grande; tem a boca quase na testa, o coiro negro, e duro, grandes barbatanas, mamas, e é vivípara, solta de tempos a tempos grandes espadanas de água, que jorram muito alto". Peixe com mamas... De qualquer forma, a baleia é, até hoje, considerada peixe por grande parte de nosso povo, e continua a viver alegremente em cardumes, porque a língua não se prende, necessariamente, às classificações científicas.

Cláudio Moreno é professor, doutor em Letras.

11 de fevereiro de 2008

O Poeta pede ao seu amor que lhe escreva


Federico García Lorca



Amor de minhas entranhas, morte viva,
em vão espero tua palavra escrita
e penso, com a flor que se murcha,
que se vivo sem mim quero perder-te.

O ar é imortal. A pedra inerte
nem conhece a sombra nem a evita.
Coração interior não necessita
o mel gelado que a lua verte.

Porém eu te sofri. Rasguei-me as veias,
tigre e pomba, sobre tua cintura
em duelo de kordiscos e açucenas.

Enche, pois, de palavras minha loucura
ou deixa-me viver em minha serena
noite da alma para sempre escura.

Tradução: William Agel de Melo

11 de janeiro de 2008

Quatro séculos de Macbeth


ÉLVIO FUNCK


Para quem acha Shakespeare (1564-1616) difícil, sugiro Macbeth, uma das mais convidativas dentre suas 37 peças. A narrativa é linear, bem concatenada, cronologicamente comportada e fácil de ser seguida. É também uma das mais curtas, com 2.084 linhas, contra as 3.762 de Hamlet, por exemplo. Como nas demais peças, Shakespeare não é original na escolha da história. É sua linguagem e visão das glórias e das mazelas da humanidade que o tornam atraente e um patrimônio da literatura, lido e representado há mais de 400 anos. Na época, não havia efeitos especiais, que eram substituídos por uma linguagem que poderíamos dizer fotográfica, cheia de metáforas surpreendentes. Em Shakespeare´s imagery and what it tells us (Cambridge, 1952), Caroline Spurgeon computa 208 delas em Macbeth.

O Macbeth histórico foi rei da Escócia de 1040 a 1057, matou no campo de batalha seu antecessor, o Rei Duncan, e foi morto, também no campo de batalha, por seu sucessor, o Rei Malcolm, filho de Duncan. Mas historiadores afirmam que o Macbeth histórico não é o mesmo cruel e sangüinário da peça. Macbeth é antes uma tentativa de Shakespeare de reforçar a presença dos escoceses Stuarts no trono inglês, a partir de 1603, do que o relato de um fato histórico. Quando Elisabeth I, filha de Henrique VIII e de Ana Bolena, faleceu, Jaime VI da Escócia, da dinastia Stuart, tornou-se concomitantemente Jaime I da Inglaterra. Por ironia, era filho de Maria Stuart, rainha da Escócia, decapitada em 1587 por ordens da prima Elisabeth I. Esta, cognominada a Rainha Virgem, não deixou descendência, e o herdeiro mais próximo do trono inglês era Jaime VI, que tinha sangue Tudor por ser trineto de Henrique VII, primeiro rei daquela dinastia e avô de Elisabeth I.

Segundo o historiador Raphael Holinshed, hoje visto como pouco confiável e no qual Shakespeare se baseou, Jaime I seria o 16º descendente de Banquo, que na peça ajuda Macbeth a derrotar os inimigos do rei Duncan. De fato, na obra, quando Macbeth consulta as feiticeiras para saber se seus filhos serão reis da Escócia, elas fazem surgir oito aparições de príncipes coroados, mas um espelho transforma-as em 16, o número de gerações que, segundo Holinshed, separam Banquo de Jaime I.

Os ingleses não recebem com simpatia Jaime I, por ser estrangeiro, ter modos vulgares e abusar da prerrogativa do "poder absoluto dos reis". Havia grande rivalidade entre ingleses e escoceses desde Eduardo I (1272-1307), que tentou conquistar a Escócia e esbarrou no heroísmo daquele povo. Roubou a pedra sagrada e mítica dos escoceses, a Pedra de Scone, para quebrar seu moral. Tal pedra, citada indiretamente duas vezes em Macbeth, permaneceu na Abadia de Westminster até 1996, quando foi devolvida à Escócia, onde pode ser vista no Palácio de Edimburgo. Para os escoceses, a pedra teria sido o travesseiro sobre o qual o patriarca Jacó, do Velho Testamento, teria repousado a cabeça ao sonhar com sua numerosa descendência.

Houve outra motivação para Shakespeare escrever Macbeth. Em Londres, no final de 1605, católicos, apoiados pela Espanha e ansiosos por restabelecer a religião católico-romana, arquitetaram o Gunpowder Plot, a Conspiração da Pólvora. A intenção era explodir uma seção das Casas do Parlamento, onde o rei se reunia com os aliados. À noite, levaram ao porão dezenas de barris de pólvora, encimados por objetos contundentes. Guy Fawkes, um dos líderes, foi delatado por um dos conspiradores e surpreendido pela polícia londrina. Sob tortura, entregou a lista de todos os outros, que foram executados. Tal fato fez com que os ingleses simpatizassem com o rei escocês, pois preferiam-no a um rei católico imposto pela Espanha, potência da época. Eles ainda se lembravam com pavor da catolicíssima Maria I (1553-1558), apelidada Bloody Mary (Maria Sanguinária), que tentou restaurar na Inglaterra a fé católico-romana, executando a fogo quem não seguisse a nova orientação religiosa.

Certo de que Deus o tinha protegido, Jaime I mandou cunhar uma moeda de ouro; em um lado, estampou sua efígie e, no outro, uma flor em cuja base se escondia uma serpente. Na peça, Lady Macbeth diz a Macbeth: "Look like the innocent flower, but be the serpent under it" (Pareça a inocente flor, mas seja a serpente debaixo dela). Um dos conspiradores, Edward Digby, era amigo íntimo de Jaime I, assim como Macbeth e Cawdor eram próximos do Rei Duncan e o traíram.

Outro fato que levou Shakespeare a escrever a peça, representada pela primeira vez em 1606, perante Jaime I, teria sido o interesse do rei pela feitiçaria, surgido em estranho incidente. Quando era somente rei da Escócia, Jaime casou-se com Ana da Dinamarca, em Copenhague. No retorno para a Inglaterra, em lua-de-mel, o navio deles quase soçobrou devido à fortíssima tormenta. O rei ficou sabendo que a mesma fora causada por feiticeiras que teriam "ido pelo ar em peneiras", como se lê em Macbeth, e provocado a borrasca. Uma das supostas feiticeiras reproduziu com fidelidade conversas íntimas que o rei e sua esposa tiveram naquela noite. Impressionado, ele começou a persegui-las, sendo que muitas foram executadas. Como se sabe, a presença delas em Macbeth é da maior importância.


A roupa como metáfora

Dentre as mais de 200 metáforas que C. Spurgeon contabilizou em Macbeth, há pelo menos 15 que se referem a roupas. A pedido do Cultura, Élvio Funck selecionou e comenta algumas delas:

1. Quando Ross anuncia que o rei nomeou Macbeth como Barão de Cawdor, Macbeth fica intrigado, pois acha que o Barão está vivo. Ele diz:

The Thane of Cawdor lives. Why do you dress me in borrowed clothes?

O Barão de Cawdor ainda vive. Por que vocês me vestem com roupas emprestadas?

2. Depois que o rei Duncan é assassinado, Macbeth se dirige a Scone para ser coroado rei e é seguido por grande comitiva. Quando Ross lhe pergunta se vai à coroação, Macduff, desconfiado, responde:

Well, may you see things well done there. Adieu.
Lest our old robes sit easier than the new.


Bem, que tudo transcorra bem por lá. Adeus.
A fim de que nossas roupas velhas não acabem sentando melhor do que as novas.


Esta metáfora de roupas revela a suspeita de que a Escócia poderia ficar pior sob o domínio do novo rei, Macbeth (as roupas novas), do que sob o domínio do velho Rei, Duncan (as roupas velhas). Uma dificuldade sintática da frase de Macduff é a conjunção final negativa lest, hoje quase em desuso, que significa "a fim de que não". Repare-se também na rima perfeita, ainda hoje, entre adieu e new. As rimas, de modo geral, avisavam a platéia de que a cena estava no fim, pois não havia cortina no teatro elisabetano.

3. Quando, perto do final, Angus comenta que o título de rei é grande demais para a mediocridade da pessoa que o usa, ele também recorre a um símile de roupas:

Now does he feel his title hang loose upon him
Like a giant's robe upon a dwarfish thief.


É agora que ele sente que seu título é grande demais para ele,
como se fosse o manto de um gigante vestindo um ladrão nanico.


4. Uma das profecias das feiticeiras, "Macbeth somente será vencido quando o bosque de Birnam caminhar até Dunsinane", também acaba desembocando numa metáfora de roupas, mutatis mutandis, pois os soldados ingleses acabam "se vestindo" com galhos do bosque, usando o recurso da camuflagem e avançando em direção ao castelo de Dunsinane, onde Macbeth será finalmente derrotado.

ÉLVIO FUNCK é professor de Letras da Unisinos e tradutor.

1 de janeiro de 2008

Rosencrantz e Guildenstern estão mortos


(Rosencrantz and Guildenstern are dead, 90, EUA)
Direção: Tom Stoppard. Com: Gary Oldman, Tim Roth, Richard Dreyfuss.


Rosencrantz e Guildenstern são amigos de Hamlet, príncipe supostamente louco da Dinamarca. Deliciosa brincadeira intelectual, bem-humorada, respeitosa e, por vezes, soberba, mas que exige do espectador um conhecimento mínimo de Hamlet, de Shakespeare. Estréia na direção de Stoppard, em feliz adaptação de peça de sua autoria, com seqüências brilhantes e ótima dupla de atores (Oldman e Roth). 118min.

Fazenda


MILTON NASCIMENTO


Água de beber, bica no quintal
sede de viver tudo
E o esquecer era tão normal
que o tempo parava

E a meninada respirava o vento
até vir a noite
E os velhos falavam coisas dessa vida
Eu era criança, hoje é você

e no amanhã, nós

Água de beber, bica no quintal
sede de viver tudo
E o esquecer era tão normal
que o tempo parava

Tinha sabiá, tinha laranjeira, tinha manga rosa
tinha o sol da manhã
E na despedida, tios na varanda, jipe na estrada
E o coração lá