3 de novembro de 2007

Provérbios do Inferno


WILLIAM BLAKE



No tempo de semeadura, aprende; na colheita, ensina, e no inverno, goza.

Conduz teu carro e teu arado sobre a ossada dos mortos.
O caminho do excesso leva ao palácio da sabedoria.
A Prudência é uma velha donzela, rica e feia, cortejada pela Incapacidade.
Aquele que deseja e não age engendra a peste.
O verme perdoa o arado que o parte.
Imerge nas correntes o que delicia-se com as águas.
O tolo não vê a mesma árvore que o sábio.
A Eternidade vive enamorada dos frutos do tempo.
À laboriosa abelha não sobra tempo para tristezas.
As horas de tolice, mede-as o relógio; as de sabedoria, porém, não há relógio que as meça.
Todo alimento sadio se colhe sem redes ou ardis.
Toma número, peso & medida em ano de míngua.
Ave alguma se eleva a grande altura, se se eleva com suas próprias asas.
Um cadáver não revida agravos.
Se persistisse em sua tolice, o tolo sábio se tornaria.
A tolice é o manto da malandrice.
O manto do orgulho, a vergonha.
As masmorras são erguidas com as pedras da Lei; bordéis, com os tijolos da Religião.
A altivez do pavão é a glória de Deus.
A lascívia do bode é a dádiva de Deus.
A fúria do leão é a sabedoria de Deus.
A nudez da mulher é a obra de Deus.
O excesso de pranto ri. O excesso de riso chora.
O rugir de leões, o uivo de lobos, a fúria do mar em procela e a espada devastadora são fragmentos de eternidade demasiado grandes para o olho humano.
A raposa culpa o ardil, jamais a si mesma.
O gozo fecunda. A tristeza dá a luz.
Vista o homem a pele do leão. E a mulher, o velo da ovelha.
A ave, um ninho; a aranha, uma teia; o homem, a amizade.
O tolo egoísta e risonho & o tolo sisudo e obstinado serão ambos tidos como sábios para servirem de azougue.
O que hoje é evidência outrora foi imaginário.
O rato, o camundongo, a raposa e o coelho espreitam as raízes; o leão, o tigre, o cavalo e o elefante espreitam os frutos.
A cisterna contém, a fonte transborda.
Um pensamento abarca a imensidão.
Estejas sempre pronto a dar a tua opinião, e os vis te evitarão.
Tudo o que é passível de crença é uma imagem da verdade.
Nunca a águia perdeu tanto tempo, como quando se dispôs a aprender com a gralha.
A raposa a si mesma supre, mas Deus supre o leão.
Pela manhã, meditai. Ao meio-dia, agi. Ao entardecer, comei. À noite, dormi.
Quem sofreu o teu domínio te conhece.
Os tigres da ira sabem mais que os cavalos da instrução.
Espere veneno da água estagnada.
Jamais saberás o que é suficiente, se não souberes o que é mais que suficiente.
Ouve a crítica do tolo. É um nobre elogio.
Os olhos, de fogo; as narinas, de ar; a boca, de água; a barba, de terra.
O fraco em coragem é forte em astúcia.
A macieira jamais indaga à faia como crescer, nem o leão ao cavalo como agarrar sua presa.
Seríamos tolos, se outros já não o fossem.
A alma imersa em delícias jamais será maculada.
Ergue a cabeça ao avistares uma águia. Estarás vendo uma parcela do Gênio.
Assim como a lagarta escolhe as melhores folhas para depositar seus ovos, o sacerdote arroja suas maldições sobre as mais sublimes alegrias.
Criar uma pequena flor é labor de séculos.
Maldição tensiona. Bênção relaxa.
O melhor vinho é o mais velho; a melhor água, a mais nova.
Como o ar ao pássaro, e o mar ao peixe, o desprezo ao desprezível.
Quisera o corvo que tudo fosse negro; e puro alvor, a coruja.

Exuberância é beleza.
Se o leão seguisse os conselhos da raposa, seria astuto.
O aprimoramento endireita os caminhos, mas as sendas rudes e tortuosas são as do Gênio.
Quem não irradia luz jamais será uma estrela.
Como o arado segue seu comando, Deus recompensa as preces.
Teu ato mais sublime é até outro elevar-te.

Preces não aram, louvores não colhem.
Cabeça, o Sublime; Coração, o Pathos; Genitais, a Beleza; Mãos & Pés, a Proporção.
Alegrias não riem. Tristezas não choram.
É melhor matar a criança no berço que acalentar desejos irrealizáveis.
Quem grato recebe, abundante colheita obtém.

Onde é ausente o homem, é estéril a natureza.
A verdade jamais pode ser proferida de modo compreensível, sem que nela se creia.
Suficiente! ou Demasiado.


Fonte: William Blake in O casamento do Céu e do Inferno.

Um comentário:

  1. Anônimo8/11/07

    Querida Cacilda...
    como não citar Blake nos dias atuais?
    Por ter muita influência da bíblia em si, sempre nos presenteou com essas questões intempestivas como a morte...
    ótimo o texto...
    serei frequentador assíduo...
    abraços

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