15 de março de 2009

Quando domingo era a “primeira feira”


É de João Paulo II a observação de que a língua portuguesa é a única a preservar os nomes cristãos dos dias da semana: segunda-feira, terça-feira etc.: In Lusitano sermone verba similia reperiuntur (Carta apostólica Dies Domini, Nota 22). De acordo com o espírito pastoral do papa Gregório Magno (morto em 604), o cristianismo podia fazer concessões em aspectos acidentais para a conversão dos povos bárbaros, e assim a Páscoa cristã em inglês e alemão leva o nome de uma divindade pagã: Easterl Oster.

Do mesmo modo, os nomes dos dias da semana em outras línguas europeias remetem a divindades pagãs/planetárias, latinas ou bárbaras. Segunda-feira é o dia da lua (lunes, lunedi, lundi, monday, montag); terça é dedicada a Marte; quarta, a Mercúrio (ou a Odin, wednesday); quinta, a Thor (thursday) ou a Júpiter/Jove, ao trovão (Donnerstag); sexta, a Vênus ou Freya. O sábado e o domingo preservam em algumas línguas nomes cristãos ou são dedicados a Saturno (saturday) ou ao Sol (sonntag, sunday).

Mas o que têm nossas feiras (segunda, terça etc.) de cristão? Feria em latim é a palavra para "festa". Como faz notar o teólogo Josef Pascher: para a liturgia, todo dia é dia de festa e, por isso, a liturgia chama o dia comum (que não é comum: é sempre de festa) de feria...

Festa porque o culto cristão – o sacrifício de Cristo, a Santa Missa – se realiza em meio à criação: toda a criação é em cada missa – por Cristo, com Cristo e em Cristo – oferecida ao Pai. Assim a liturgia fala em feria, em festa, porque, em vez das superstições dos astros, celebra a Cristo.

Comentando o Salmo 93 (En. In Ps. 93, 3), S. Agostinho diz: "o primeiro dia depois do sábado é o domingo, dia do Senhor; o segundo é a secunda feria, à que os profanos chamam Lunae diem; a tertia feria, diem illi Martis; a quarta feria é o que os pagãos chamam de dia de Mercúrio (...).

S. Tomás de Aquino ensina (Super Ev. Io. cp 20 lc 1) que o domingo é a "primeira feira", prima feria, por causa da Páscoa: assim como o Gênesis começa com o dia, a Páscoa em que principia o mistério da nova criatura e se renova a face da terra é o Dia, a Feria.

O labirinto do fauno



Você bate em vão com essa aldrava, essa cabeça de cão em cobre, gasta, sem relevos, semelhante à cabeça de um feto canino dos museus de ciências naturais. Imagina que o cão lhe sorri e larga logo o seu contato gélido. A porta cede ao levíssimo empurrão de seus dedos, e antes de entrar olha pela última vez sobre os ombros, franze as sobrancelhas porque uma longa fila parada de caminhões e automóveis chia, apita, solta a fumaça insana de sua pressa. Você tenta inutilmente reter uma única imagem desse mundo exterior indiferente.

Fecha a porta do vestíbulo atrás de si e procura penetrar na escuridão dessa ruela coberta – pátio, porque você pode sentir o musgo, a umidade das plantas, as raízes apodrecidas, o perfume entorpecedor e espesso. Você procura em vão uma luz que o guie. Procura a caixa de fósforos no bolso de seu casaco, porém essa voz aguda e alquebrada o adverte de longe:

– Não... não é necessário. Peço-lhe. Ande treze passos para a frente e encontrará a escada à sua direita. Suba, por favor. São vinte e dois degraus. Conte-os.


Carlos Fuentes – Aura