11 de janeiro de 2008

Quatro séculos de Macbeth


ÉLVIO FUNCK


Para quem acha Shakespeare (1564-1616) difícil, sugiro Macbeth, uma das mais convidativas dentre suas 37 peças. A narrativa é linear, bem concatenada, cronologicamente comportada e fácil de ser seguida. É também uma das mais curtas, com 2.084 linhas, contra as 3.762 de Hamlet, por exemplo. Como nas demais peças, Shakespeare não é original na escolha da história. É sua linguagem e visão das glórias e das mazelas da humanidade que o tornam atraente e um patrimônio da literatura, lido e representado há mais de 400 anos. Na época, não havia efeitos especiais, que eram substituídos por uma linguagem que poderíamos dizer fotográfica, cheia de metáforas surpreendentes. Em Shakespeare´s imagery and what it tells us (Cambridge, 1952), Caroline Spurgeon computa 208 delas em Macbeth.

O Macbeth histórico foi rei da Escócia de 1040 a 1057, matou no campo de batalha seu antecessor, o Rei Duncan, e foi morto, também no campo de batalha, por seu sucessor, o Rei Malcolm, filho de Duncan. Mas historiadores afirmam que o Macbeth histórico não é o mesmo cruel e sangüinário da peça. Macbeth é antes uma tentativa de Shakespeare de reforçar a presença dos escoceses Stuarts no trono inglês, a partir de 1603, do que o relato de um fato histórico. Quando Elisabeth I, filha de Henrique VIII e de Ana Bolena, faleceu, Jaime VI da Escócia, da dinastia Stuart, tornou-se concomitantemente Jaime I da Inglaterra. Por ironia, era filho de Maria Stuart, rainha da Escócia, decapitada em 1587 por ordens da prima Elisabeth I. Esta, cognominada a Rainha Virgem, não deixou descendência, e o herdeiro mais próximo do trono inglês era Jaime VI, que tinha sangue Tudor por ser trineto de Henrique VII, primeiro rei daquela dinastia e avô de Elisabeth I.

Segundo o historiador Raphael Holinshed, hoje visto como pouco confiável e no qual Shakespeare se baseou, Jaime I seria o 16º descendente de Banquo, que na peça ajuda Macbeth a derrotar os inimigos do rei Duncan. De fato, na obra, quando Macbeth consulta as feiticeiras para saber se seus filhos serão reis da Escócia, elas fazem surgir oito aparições de príncipes coroados, mas um espelho transforma-as em 16, o número de gerações que, segundo Holinshed, separam Banquo de Jaime I.

Os ingleses não recebem com simpatia Jaime I, por ser estrangeiro, ter modos vulgares e abusar da prerrogativa do "poder absoluto dos reis". Havia grande rivalidade entre ingleses e escoceses desde Eduardo I (1272-1307), que tentou conquistar a Escócia e esbarrou no heroísmo daquele povo. Roubou a pedra sagrada e mítica dos escoceses, a Pedra de Scone, para quebrar seu moral. Tal pedra, citada indiretamente duas vezes em Macbeth, permaneceu na Abadia de Westminster até 1996, quando foi devolvida à Escócia, onde pode ser vista no Palácio de Edimburgo. Para os escoceses, a pedra teria sido o travesseiro sobre o qual o patriarca Jacó, do Velho Testamento, teria repousado a cabeça ao sonhar com sua numerosa descendência.

Houve outra motivação para Shakespeare escrever Macbeth. Em Londres, no final de 1605, católicos, apoiados pela Espanha e ansiosos por restabelecer a religião católico-romana, arquitetaram o Gunpowder Plot, a Conspiração da Pólvora. A intenção era explodir uma seção das Casas do Parlamento, onde o rei se reunia com os aliados. À noite, levaram ao porão dezenas de barris de pólvora, encimados por objetos contundentes. Guy Fawkes, um dos líderes, foi delatado por um dos conspiradores e surpreendido pela polícia londrina. Sob tortura, entregou a lista de todos os outros, que foram executados. Tal fato fez com que os ingleses simpatizassem com o rei escocês, pois preferiam-no a um rei católico imposto pela Espanha, potência da época. Eles ainda se lembravam com pavor da catolicíssima Maria I (1553-1558), apelidada Bloody Mary (Maria Sanguinária), que tentou restaurar na Inglaterra a fé católico-romana, executando a fogo quem não seguisse a nova orientação religiosa.

Certo de que Deus o tinha protegido, Jaime I mandou cunhar uma moeda de ouro; em um lado, estampou sua efígie e, no outro, uma flor em cuja base se escondia uma serpente. Na peça, Lady Macbeth diz a Macbeth: "Look like the innocent flower, but be the serpent under it" (Pareça a inocente flor, mas seja a serpente debaixo dela). Um dos conspiradores, Edward Digby, era amigo íntimo de Jaime I, assim como Macbeth e Cawdor eram próximos do Rei Duncan e o traíram.

Outro fato que levou Shakespeare a escrever a peça, representada pela primeira vez em 1606, perante Jaime I, teria sido o interesse do rei pela feitiçaria, surgido em estranho incidente. Quando era somente rei da Escócia, Jaime casou-se com Ana da Dinamarca, em Copenhague. No retorno para a Inglaterra, em lua-de-mel, o navio deles quase soçobrou devido à fortíssima tormenta. O rei ficou sabendo que a mesma fora causada por feiticeiras que teriam "ido pelo ar em peneiras", como se lê em Macbeth, e provocado a borrasca. Uma das supostas feiticeiras reproduziu com fidelidade conversas íntimas que o rei e sua esposa tiveram naquela noite. Impressionado, ele começou a persegui-las, sendo que muitas foram executadas. Como se sabe, a presença delas em Macbeth é da maior importância.


A roupa como metáfora

Dentre as mais de 200 metáforas que C. Spurgeon contabilizou em Macbeth, há pelo menos 15 que se referem a roupas. A pedido do Cultura, Élvio Funck selecionou e comenta algumas delas:

1. Quando Ross anuncia que o rei nomeou Macbeth como Barão de Cawdor, Macbeth fica intrigado, pois acha que o Barão está vivo. Ele diz:

The Thane of Cawdor lives. Why do you dress me in borrowed clothes?

O Barão de Cawdor ainda vive. Por que vocês me vestem com roupas emprestadas?

2. Depois que o rei Duncan é assassinado, Macbeth se dirige a Scone para ser coroado rei e é seguido por grande comitiva. Quando Ross lhe pergunta se vai à coroação, Macduff, desconfiado, responde:

Well, may you see things well done there. Adieu.
Lest our old robes sit easier than the new.


Bem, que tudo transcorra bem por lá. Adeus.
A fim de que nossas roupas velhas não acabem sentando melhor do que as novas.


Esta metáfora de roupas revela a suspeita de que a Escócia poderia ficar pior sob o domínio do novo rei, Macbeth (as roupas novas), do que sob o domínio do velho Rei, Duncan (as roupas velhas). Uma dificuldade sintática da frase de Macduff é a conjunção final negativa lest, hoje quase em desuso, que significa "a fim de que não". Repare-se também na rima perfeita, ainda hoje, entre adieu e new. As rimas, de modo geral, avisavam a platéia de que a cena estava no fim, pois não havia cortina no teatro elisabetano.

3. Quando, perto do final, Angus comenta que o título de rei é grande demais para a mediocridade da pessoa que o usa, ele também recorre a um símile de roupas:

Now does he feel his title hang loose upon him
Like a giant's robe upon a dwarfish thief.


É agora que ele sente que seu título é grande demais para ele,
como se fosse o manto de um gigante vestindo um ladrão nanico.


4. Uma das profecias das feiticeiras, "Macbeth somente será vencido quando o bosque de Birnam caminhar até Dunsinane", também acaba desembocando numa metáfora de roupas, mutatis mutandis, pois os soldados ingleses acabam "se vestindo" com galhos do bosque, usando o recurso da camuflagem e avançando em direção ao castelo de Dunsinane, onde Macbeth será finalmente derrotado.

ÉLVIO FUNCK é professor de Letras da Unisinos e tradutor.

1 de janeiro de 2008

Rosencrantz e Guildenstern estão mortos


(Rosencrantz and Guildenstern are dead, 90, EUA)
Direção: Tom Stoppard. Com: Gary Oldman, Tim Roth, Richard Dreyfuss.


Rosencrantz e Guildenstern são amigos de Hamlet, príncipe supostamente louco da Dinamarca. Deliciosa brincadeira intelectual, bem-humorada, respeitosa e, por vezes, soberba, mas que exige do espectador um conhecimento mínimo de Hamlet, de Shakespeare. Estréia na direção de Stoppard, em feliz adaptação de peça de sua autoria, com seqüências brilhantes e ótima dupla de atores (Oldman e Roth). 118min.

Fazenda


MILTON NASCIMENTO


Água de beber, bica no quintal
sede de viver tudo
E o esquecer era tão normal
que o tempo parava

E a meninada respirava o vento
até vir a noite
E os velhos falavam coisas dessa vida
Eu era criança, hoje é você

e no amanhã, nós

Água de beber, bica no quintal
sede de viver tudo
E o esquecer era tão normal
que o tempo parava

Tinha sabiá, tinha laranjeira, tinha manga rosa
tinha o sol da manhã
E na despedida, tios na varanda, jipe na estrada
E o coração lá